A vida de Gao Rim
Gao rim olhou para o horizonte enquanto absorvia aquelas
palavras.
- É seu último voo!
Não conseguia imaginar estar fazendo outra coisa,
especialmente depois de tudo o que lhe havia acontecido.
- Escutou o que eu disse, Gao Rim? – repetiu o seu chefe Kim
Chu mais um vez. – Eu sei o quanto isso deve ser terrível para você, mas como
não temos mais como bancar pilotos, e como os clientes preferem homens, bem...
você sabe...
- Kim Chu, o que eu vou fazer se não puder pilotar? –
perguntou Gao Rim, prestes a se ajoelhar para implorar pelo seu emprego.
- Eu sei, eu sei... Mas eu fiquei com a saia justa. Preciso
demitir dois pilotos. Ji Su já foi, agora tem que ser você. Todos os outros são
muito cotados. Você é mulher. Sabia que isso seria um problema desde o início.
- Eu sou boa pilotando, você sabe disso! – gritou ela, quase
aos prantos.
- Eu sei, Gao Rim, mas os clientes não. – Respondeu Kim Chu
parecendo tão derrotado quanto ela.
Kim Chu havia se declarado para ela há três meses atrás, por
isso, achava que poderia ser uma vingança por ela não ter aceitado o seu pedido
de namoro. Se ao menos soubesse do caos em que sua vida estava lançada, não
teria sido tão agressivo com ela, quando ela o rejeitou.
Gao Rim tinha apenas
14 anos quando sua mãe faleceu, deixando ela e sua irmã de 10, sem amparo. Elas
foram para um orfanato onde a diretora maltratava as crianças, por isso, fugiu
com sua irmã e viveu nas ruas desde então.
Ela encontrou um abrigo em um barraco abandonado perto da
escola de pilotos de helicóptero e desde então, sonhou em se tornar parte daqueles
homens que pareciam tão felizes ao voar. Aos 18, Gao Rim pediu emprego para Kim
Chu como faxineira da escola. Depois de muito tempo tendo aulas escondida com
um outro piloto, Gao Rim tomou coragem para pedir o emprego de piloto. Não foi
fácil, Kim Chu deixou-a trabalhando como faxineira enquanto ela terminava as
aulas de piloto e ele a fez pagar tudo, até mesmo o seu Brevê, um certificado
para pilotar helicópteros e até pequenas aeronaves.
Assim, dos 22 até os 28, idade em que se encontrava, Gao Rim
se tornou a melhor piloto que Kim Chu já vira em sua empresa, que além de dar
aulas, fazia pequenos fretes para clientes vips.
Tudo parecia estar perfeito em sua vida, ela trabalhava com
aquilo que amava, pagava a universidade da irmã e até alugara uma casa decente
no centro de Busan, mas então, seu mundo veio abaixo. Nau Rim, sua irmã,
começou a adoecer e Gao Rim viu todo o dinheiro que conseguiu economizar saindo
pelo ralo. E no dia em que Kim Chu a pediu em namoro, Gao Rim recebeu a notícia
de que Nau Rim estava em um estado muito avançado de câncer no pulmão que havia
entrado em metástase e espalhara por outros lugares do corpo. Segundo os médicos,
não havia nada o que fazer e o tratamento era paliativo de controle de dor até
que finalmente, ela não mais estaria presente no mundo de Gao Rim. Foi então
que as coisas começaram a desandar. Gao Rim se atrasou para alguns voos e os poucos
clientes que havia conquistado começaram a reclamar dela. Era uma questão de
tempo, mas Gao Rim não sabia o que poderia fazer. Precisava daquele emprego,
pois as contas do hospital eram maiores do que podia pagar. Até havia feito um
empréstimo com um agiota que a ameaçara mais de uma vez. Não podia ser tão azarada
a ponto de perder a única renda enquanto sua irmã definhava no hospital.
- Kim Chu, por favor, eu lhe imploro – falou ela com a voz
baixa e grave. Ela já havia chorado tanto na noite anterior que sua voz parecia
rouca.
- Não adianta, este é seu último voo! Pegue o cliente na
ilha de Jeju em uma hora. Há um tsunami se aproximando. Eles vão fechar o
espaço aéreo em breve, então, não cometa erros e não se atrase.
Derrotada, Gao Rim seguiu com o plano e quase meia hora
depois pousou o helicóptero com categoria e elegância no heliporto do resort
mais luxuoso da ilha de Jeju. O dia bonito de sol chamava os turistas para as
águas geladas estonteantes de Jeju. Queria ela poder passar um dia inteirinho
em Jeju aproveitando o ambiente, mas sempre que vinha a Jeju era para trazer
algum cliente, por isso, estava acostumada com aquele trajeto. Desceu do helicóptero
e procurou pelo envelope que continha as informações do voo. Tentava achar o
nome do cliente quando escutou a voz de um homem ao seu lado.
- Moça, onde posso encontrar o piloto deste helicóptero?
Gao Rim deu um muxoxo sem nem olhar para o cliente. Ele
presumira que o piloto era um homem. Era sempre assim. Por que era tão difícil
para os clientes aceitarem uma mulher piloto?
- Sou eu! – respondeu ela, entre os dentes, tentando achar o
nome do cliente no papel. Tinha tanta coisa escrita que era difícil para ela
achar. – O senhor é o Lee Min Ho?
Gao Rim parou de repente ao ver o nome Lee Min Ho escrito
ali naquele papel e olhou para o homem ao seu lado.
Ele sorriu discretamente e tirou os óculos escuros.
- Lee Min Ho? Sim, sou eu!
Ela estremeceu e abriu a boca completamente surpreendida com
aquilo. Lee Min Ho na sua frente! E ele era algo saído de outro planeta porque
era incomensuravelmente mais belo do que nas fotos que ela costumava recortar
das revistas.
- Ah... Lee... Min... Lee Min...
- Você é mesmo a piloto? Que legal! Nunca vi uma mulher
piloto! Ou é pilota? Nunca sei!
As pessoas costumavam sonhar com isso. Gao Rim mesmo já
havia sonhado uma porção de vezes que Lee Min Ho surgia do nada para beijar sua
mão e convidá-la para dançar. Em seus sonhos, contudo, Gao Rim se via em uma
belo vestido luxuoso com os cabelos em coque e uma maquiagem de princesa e ali
estava ela: despenteada, vestido uma camiseta, calça jeans e tênis surrados.
- Meu no... nome é... Kim Gao Rim. Pra... Prazer co... conhecê-lo.
– gaguejou ela.
- O prazer é todo meu, srta Kim! – respondeu ele,
simplesmente. Gao Rim achava que isso era algo bem comum para ele. Encontrar
pessoas que ficavam gagas à sua frente.
- Precisamos sair da ilha imediatamente. – respondeu Lee Min
Ho – Parece que houve um terremoto perto da costa do Japão e um Tsunami
atingirá Jeju em alguns minutos.
- Mas não há perigo, não é? – perguntou ela, tentando tirar
da cabeça o fato de estar diante do seu ator favorito. O tsunami não pode
atingir toda a ilha, pois ela é grande demais.
- Acho que não, mas minha agente não quer que eu fique preso
na ilha, se fecharem o aeroporto.
Gao Rim olhou para o horizonte, agora com um certo temor.
Não havia sinal de que um grande tsunami poderia aparecer ali, afinal os
tsunamis eram assim, não é? Ficam ocultos abaixo do mar e suas ondas
simplesmente arrebentavam na superfície.
- O senhor possui malas? – perguntou ela, ao ver que ele
estava carregando apenas o celular na mão.
- Eu tenho uma mala, mas minha agente falou que virá buscar
os meus pertences mais tarde, então, vamos partir o quanto antes.
- Ok, por aqui. – disse Gao Rim, apontando o caminho para
ele.
Quando Lee Min Ho passou, ela pôde sentir o aroma de um
perfume amadeirado. “Ah, que homem”, pensou ela, abanando a cabeça para
espantar aqueles pensamentos.
Ela abriu a cabine do carona, esperou que Lee Min Ho se
sentasse para colocar-lhe o cinto e o headfone. Geralmente, fazia isso com
todos os clientes. Mas estar assim próxima do homem que tanto admirava fazia
sua respiração ficar irregular. Depois de se certificar de que ele estava perfeitamente
instalado, Gao Rim deu a volta e se sentou na sua poltrona, colocando o
headfone.
- Faz muito barulho aqui, por isso, não tire o headfone. Podemos
conversar por meio dele, ok? O senhor não tem medo de altura, tem?
- Não, já viajei de helicóptero antes, mas nunca com uma
mulher como piloto. – disse ele, com um sorriso.
Gao Rim também sorriu e levantou voo vagarosamente e
articuladamente. Ajustou os controladores de voo enquanto plainava no ar.
- Vai demorar muito esta viagem? – perguntou ele, olhando
para baixo, onde o resort ficava.
- Não... uns quarenta minutos até Busan. – respondeu ela,
desejando que aqueles minutos passassem devagar. Primeiro, porque tinha Lee Min
Ho com ela; segundo, porque seus problemas a aguardavam em Busan. Começou a voar
em direção a praia. Precisava cruzar o oceano para chegar a Busan. Normalmente
ela faria uma parada para abastecer, mas nas informações de voo, havia a
solicitação para uma viagem direta. Já estava quase alcançando o mar quando
alguma coisa aconteceu. Seu helicóptero simplesmente parou do nada. Ficou sem
controle por alguns segundos e lutou para tentar mantê-lo estável.
- O que está acontecendo? – perguntou Lee Min Ho, ao seu
lado, agarrando firmemente em sua poltrona.
- Não sei – respondeu ela, sinceramente. – Em todos esses
anos, nunca vivenciara uma situação como aquela.
- Acho que é um terremoto! – gritou ele, apontando para baixo,
pois algumas casas estavam se mexendo. Os alarmes de alguns carros dispararam
sozinhos e uma fenda se abriu numa das rodovias de Jeju.
Gao Rim continuou lutando com o manche sem perceber o que
acontecia a sua volta. Ao mesmo tempo, uma enorme torre de uma operadora
telefônica se rompeu. Antes que Gao Rim pudesse desviar, a estrutura metálica
bateu contra o rotor da cauda e uma pequena explosão se fez ouvir.
- Vamos morrer!!! – declarou Lee Min Ho ao seu lado, com uma
calma de outro mundo.
- Eu não posso morrer – gritou Gao Rim, por fim,
desesperando-se ao perceber que o chão se aproximava velozmente – Não antes de Nau
Rim.
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